Não é de hoje que ouvimos/vemos nas mídias casos que envolvem profissionais da área da saúde negligenciando o código de ética e faltando com o respeito diante do "outro".
Por conta disso, a aluna do curso de Jornalismo da FAPEPE, Simone Lemes entrevistou para o BLOG SOCIOLOGIA NO MUNDO, a coordenadora do curso de enfermagem Jaqueline Kuramoto sobre a falta de ética e despreparo do profissional da saúde. Acompanhem.
Jaqueline Kuramoto concluiu o curso de enfermagem em 1984, atuou por dois anos como enfermeira, em 1995 iniciou o curso de direito concluindo em 2000. No ultimo ano da faculdade de direito teve contato com casos de fetos anencéfalos, o que a motivou a se especializar na área de Bioética na UEL (Universidade de Londrina).
Fez mestrado em Lima no Peru pela Organização Mundial de Saúde e já no Brasil concluiu mestrado em educação pela FCT / UNESP de Presidente Prudente.
Atualmente coordena o curso de enfermagem da Faculdade de Presidente Prudente do grupo UNIESP.
BSM - O que podem ocasionar os erros de enfermagem?
JAQUELINE - São vários fatores que contribuem para o descuido do profissional, principalmente na área da enfermagem. Primeiro são os fatores ambientais. Um hospital, um Posto de Saúde ou um 24 horas que tenha pouca luminosidade, escassez de medicamentos e de aparelhos, o enfermeiro se vê obrigado a improvisar para que o cuidado seja prestado ao paciente. Segundo fator é o fisiológico. Há sobrecarga de trabalho, pois hoje o profissional de enfermagem precisa de pelo menos dois empregos para ter um salário que lhe dê sustentabilidade. Os turnos não são pequenos, o profissional trabalha 12 horas e deveria descansar 36, mas continua trabalhando por mais 12 horas em outro hospital.
BSM - Você acredita que alguns erros de enfermagem poderiam estar associados à uma falha na formação inicial destes profissionais?
JAQUELINE - As universidades que estão preocupadas com qualidade de ensino estão revendo suas matrizes curriculares, pois existem poucas horas de aula sobre Legislação Ética Deontológica. Muitos alunos saem totalmente despreparados e alegam desconhecimento da lei.
BSM - Houve um aumento significativo de procura e, por consequência, de cursos de enfermagem. Existe algum acompanhamento ou fiscalização do trabalhado desses profissionais?
JAQUELINE - Na enfermagem existem três entidades de classe que disciplinam sobre o exercício profissional, o COREN (Conselho Regional de Enfermagem) que é responsável por disciplinar sobre o exercício profissional. Este órgão está preocupado com o atendimento eficaz da população. A Associação Brasileira de Enfermagem que é responsável pela formação cultural e intelectual, promovendo congressos e encontros. E, por fim, o Sindicato de Enfermagem, entidade que está preocupada na defesa profissional, trabalha no sentido da redução da jornada de trabalho do enfermeiro, piso salarial competente etc.
BSM - Como deve ser a relação enfermeiro-paciente?
JAQUELINE - A enfermagem é a ciência do cuidado. É importante ressaltar que as pessoas tendem a confundir o papel social do enfermeiro, reduzindo-o a um mero auxiliar do médico, ou o inverso, considerando-o um quase médico, e não é isso. A Enfermagem e a Medicina são duas Ciências diferentes, com especificidades bastante distintas, porém, se complementam no cuidado, no trato com o paciente. O projeto Humaniza SUS do governo vem ao encontro da necessidade de um atendimento com qualidade e respeito para com o paciente.
Evidentemente que existe uma grande diferença entre ser um profissional humanizado é ser um profissional bonzinho, este último, não precisa estudar, não precisa da ciência, só precisa ficar segurando sua mão, penteando seu cabelo, não que isso não seja importante, mas não pode ser só isso. Precisa da medicação no horário correto, de mudança de decúbito, tomar sol, esse é o risco da questão da humanização.
BSM - Recentemente acompanhamos nas mídias alguns casos de erros ocasionados por profissionais de enfermagem, um deles foi a retirada de um curativo no dedo de uma criança de quatro anos que foi ao hospital apenas para se tratar de uma anemia, o que aconteceu nesse caso?
JAQUELINE - Pressa e descuido! Hoje o sistema de saúde é uma panela de pressão, o paciente já chega pra você extremamente estressado, porque já esperou tempo demais. Ele precisa sair dali porque tem que levar o filho na creche pra poder trabalhar, não tem paciência pra esperar. o enfermeiro, por sua vez, está sobrecarregado de serviço, ele para, olha, mais não examina da forma como deveria. No caso da criança que teve o dedo cortado, a profissional na pressa não viu que não havia apenas gaze, e acabou pegando um pedacinho do dedo.
BSM - E o caso da troca dos frascos de soro por vaselina?
JAQUELINE - Esse foi um erro de responsabilidade também da instituição. Na hora da compra são frascos extremamente parecidos, há a necessidade de uma identificação maior e mais prática. No corre corre, pegar o primeiro frasco que vê na frente, porque você quer instalá-lo pra que você dê conta do serviço. um profissional de enfermagem chegam a atender cerca de 50, 60, 70 pacientes por dia, eles não dão conta nem as vezes de fazer um relatório. É pouco profissional.
BSM - O caso da enfermeira que cortou os cabelos da paciente que veio a óbito chocou todos nós, o que o código de ética fez nesse caso?
JAQUELINE - Esse ato se chama vilipêndio de cadáveres, é o máximo da degradação moral da profissão. Essa profissional não conseguiu entender o valor que o cabelo tem para aquele paciente, se ele cuidou na vida toda daquele cabelo era porque era muito importante pra ele. Existem suspeitas também de que ela iria vender o cabelo, mais o processo ainda está correndo na justiça, não se sabe o motivo correto ainda.
Independente do que iria ser feito com o cabelo ela praticou um ato antiético, só o fato de ter cortado o cabelo já causou um dano, que no caso foi físico e moral também.