A
entrevista deste mês traz as experiências e os resultados da pesquisa de
mestrado (realizado na Universidade de São Paulo - USP), por Rodrigo Feliciano
Caputo em três aldeias dos remanescentes Bororos, no Mato Grosso.
Caputo tem formação inicial em Psicologia e na entrevista cedida ao
SNM relata seus sentimentos e percepções sobre as visitas realizadas
às aldeias e, fala sobre sua experiência na elaboração da
dissertação.
SNM - Caputo, em que consistiu sua
pesquisa de mestrado?
Caputo - O estudo que realizei procurou contribuir
para o aprofundamento conceitual e metodológico, através da
análise comparativa entre dois grupos humanos
contemporâneos que apresentam características histórico-culturais específicas:
os moradores da cidade de Lins-SP (“linenses”) e os remanescentes
“bororos” que vivem em três aldeias no estado de Mato Grosso.
SNM - Em seu estudo, o que pretendia
comparando essas duas realidades diferentes (os linenses e os bororos)?
Caputo - Na realidade, minha
intenção era tentar compreender, por meio de revisão da literatura existente e
exame de fontes documentais, como esses grupos lidam com a morte. Para
tanto, foi necessário entrar em contato com suas estruturas e dinâmica
social, sua história de ocupação e transformação dos territórios por eles habitados,
seus mitos fundadores, suas instituições, práticas, discursos, técnicas e
símbolos.
SNM - Por que você quis pesquisar esse assunto?
Caputo - Boa parte (senão todos) os fundamentos culturais
de uma sociedade convergem nas suas prescrições técnicas e simbólicas
sobre como lidar com a morte, de modo a integrá-la na realidade
social e garantir a continuidade da vida comunitária,
estabelecendo códigos de conduta, modulando relações de
parentesco, instituindo papéis profissionais etc. Então, essas
diferentes "maneiras" de lidar com a morte, chama a atenção
(e é de grande interesse) da Psicologia Social, que
vem sendo estudados cada vem mais.
Caputo - O que me impressionou,
primeiramente, foi que, apesar do intenso processo de
aculturação dos “bororos”, este grupo ainda guarda diferenças marcantes em
relação aos “linenses”, em relação ao modo como lidam com a
morte. Entre os linenses, por exemplo, a morte é mantida à
distância, no sentido de que as
tarefas funerárias são "terceirizadas" a
profissionais e instituições específicas.
O
luto é vivenciado só ou junto à família
nuclear e a expressão da dor
costuma ser abreviada. Já os bororos geralmente
guardam proximidade dos indivíduos adoentados e moribundos, bem como de todo o
ritual funerário. A dor é expressa e o luto é vivenciado em comunidade. Por
outro lado, em ambos os grupos confirma-se que o conjunto
de técnicas e símbolos de lida com a morte representa um importante organizador
psicossocial, pois orienta e auxilia as pessoas no enfrentamento individual e
coletivo da morte, favorecendo na elaboração dos impactos psíquicos, na
reorganização dos papéis e dos vínculos sociais.
SNM - Como foi ficar esses dias na aldeia?
Caputo - Foi desafiador e fascinante me integrar no grupo
dos Bororos, já que não fazem parte do meu cotidiano. Porém, a inserção ocorreu
em um contexto atenuador dos impactos gerados pelo ingresso de um forasteiro no
grupo. O ingresso no grupo Bororo ocorreu através de um Projeto de Ação
Voluntária feito entre o Centro Católico Salesiano Auxilium (UNISALESIANO), de
Lins-SP, local em que trabalho e as aldeias de Meruri (índios Bororo) e
Sangradouro (índios Bororo e Xavante). O projeto ocorreu de 11 a 19 de julho de 2012 Nesta ação
de voluntariado, eu fui designado para compor o grupo que seguiria para Meruri.
Os quatro primeiros dias foram planejados pelos habitantes de Meruri, os quais
promoveram algumas danças, rituais, levaram-nos para passeios e visitas
acompanhadas pela aldeia, festas, atividades esportivas mesclados com rodas de
conversas e palestras realizadas por lideranças Bororo (diretor da escola,
cacique, responsáveis pelo Museu Comunitário e Centro de Cultura Bororo. Pe.
Rodolfo Lunkenbein); bem como por dois religiosos que estão há décadas na
aldeia.
SNM - profissionalmente você atua de que modo hoje?
Caputo - Hoje sou psicólogo clínico e atuo com
atendimento na cidade de Lins e região. Sou professor universitário e consultor
em gestão de pessoas. Desenvolvo pesquisas de mestrado em Psicologia Social e
do Trabalho pela Universidade de São Paulo - USP.
SNM - Essa não foi sua primeira experiência com o tema da
morte. Você desenvolveu projetos na sua área com pacientes soropositivos. Conta
para a gente como foi esse projeto.
Caputo - Essa experiência se deu em 2006. O trabalho
consistiu em formar um grupo de apoio aos soropositivos e seus familiares
frequentadores da ONG MOVECA (Movimento Vestindo a Camisa), da cidade de
Penápolis-SP, com o objetivos de construir um vínculo com os integrantes desta,
estabelecendo, portanto, uma relação de alteridade. No período em que atendi na
Ong, um dos integrantes do grupo faleceu, a partir de então passei a investigar
as questões relativas à morte e às vivências do luto.
Caputo - Atendo muitas pessoas que estão vivenciando o
luto de entes queridos ou coisas que apreciavam muito, porém vejo que nossa
sociedade não facilita a esta vivência. Este é um tema proibido, já que após o
funeral, cada vez menos se tolera o choro e o pesar, assim o luto que outrora
era uma reação natural e esperada diante de uma perda significativa, passou a
ser patologizado e medicalizado. Deste modo, é muito satisfatório poder
facilitar a elaboração do luto de pessoas que além de sofrerem as suas perdas,
sofrem por não poderem expressar suas dores, suas angústias e medos.
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