Por Julio César Gonçalves
É incrível como religião e ciência sempre são foco de discussões e polêmicas. Também não é para menos: tanto uma quanto a outra são responsáveis por produzir conhecimentos e têm papel importante na sociedade de forma geral. O artigo abaixo, mostra um pouco da visão popular a respeito dessas duas grandes áreas e, mostra também um enfoque diferente com relação a visão que, geralmente, temos de que religião e ciência estão dentro do mesmo ring numa eterna disputa. Vale à pena ler e comentar. Abraços a todos.
CONCILIANDO CIÊNCIA E RELIGIÃO
(Por Marcelo Gleiser)
Nem todos os crentes adotam uma posição tão radical com relação à veracidade, ou literalismo, dos textos sagrados. Uma posição mais comum é interpretar os textos como representações simbólicas, um corpo de narrativas dedicadas a construir uma realidade espiritual baseada em certos preceitos morais. Galileu criticou os teólogos católicos, dizendo que a função da Bíblia não é explicar os movimentos dos planetas, mas como obter a salvação eterna. (“Não é explicar como os céus vão, mas como se vai para o céu”). A adoção de uma postura menos ortodoxa permite uma visão de mundo menos radical, onde a religião e a ciência podem viver em harmonia, cada uma cumprindo sua missão social. O conflito entre as duas não é, de forma alguma, necessário. Basta saber distinguir o que uma ou outra pode e não pode fazer. Isso serve também aos cientistas, em especial aos que têm atitudes ortodoxas contra a religião. Acho extremamente ingênuo imaginar ser possível um mundo sem religião.Ingênuo e desnecessário. A função da ciência não é tirar Deus das pessoas. É oferecer uma descrição do mundo natural cada vez mais completa, baseada em experimentos e observações que podem ser repetidos ou ao menos contrastados por vários grupos. Com isso, a ciência contribui para aliviar o sofrimento humano, seja ele material ou de caráter metafísico. A distinção essencial entre ciência e religião está no que cada uma delas pressupõe ser a natureza da realidade. Enquanto a religião adota uma realidade sobrenatural coexistente e capaz de interferir com a realidade natural, a ciência aceita apenas uma realidade, a natural. Aqui aparece a razão principal do conflito entre as duas. Para a ciência não é preciso supor que ainda não é que o que ainda não é acessível ao conhecimento necessite de explicação sobrenatural. O que não sabemos hoje pode, em princípio, vir a ser explicado no futuro. Em outras palavras, a ciência abraça a ignorância, o não saber, como parte necessária de nossa existência, sem lançar mão de causas sobrenaturais para explicar o desconhecido. Sem dúvida, esse tem sido o seu caminho: explicar de forma clara e racional um número cada vez maior de fenômenos naturais, do funcionamento dos átomos à formação de galáxias e a transmissão do código genético entre os seres vivos. As tecnologias que também definem a vida moderna, da revolução digital aos antibióticos, dos meios de transporte ao uso da física nuclear no tratamento do câncer, são fruto desse questionamento. Negar isso é tentar olhar para o mundo de olhos fechados. A conciliação entre ciência e religião só ocorrerá quando ficar claro o papel social de cada uma. Negar uma ou outra é ignorar que o homem é tanto um ser espiritual quanto racional. Para muitos, ciência e religião estão permanentemente em guerra. Desde a famosa crise entre Galileu Galilei e a Inquisição, no século XVII, quando o cientista foi forçado a abjurar sua convicção de que o Sol e não a Terra era o centro do cosmo, razão e fé aparentam ser incompatíveis. Aos crentes, a religião oferece não só o apoio espiritual em momentos difíceis e uma comunidade fraterna e acolhedora, mas também respostas às questões de caráter fundamental e misterioso, como a origem do Universo, da vida ou da mente. Na sua maioria, as respostas são relatadas em textos sagrados, escritos por homens que recebem a sabedoria por meio de um processo de revelação sobrenatural, de Deus (ou dos deuses) para os profetas. Para as pessoas de fé, é absurdo contestar a veracidade desses textos, visto que são expressão direta da palavra divina. A atitude descrita acima faz parte da ortodoxia de muitas religiões.
FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006.
Caderno Mais (Mais Ciência), p.09.