MARINHEIRO DE PRIMEIRA VIAGEM
Por Julio C. Gonçalves
Ao amigo Vicentônio Regis do Nascimento Silva, pelo seu grande amor pela leitura e literatura que é contagiante.
Nunca seus olhos brilharam tanto como desta vez. Parecia um troféu o panfleto que trazia nas mãos com pequena epígrafe de um autor que ele mesmo nunca ouvira falar... algo sobre a importância de se alimentar da leitura.
Embora soubesse que não tinha condições de dispender aquela quantia toda de uma vez, resolveu parcelar em seis vezes. Chegou até sentir um quase-arrependimento em ter se matriculado para as aulas particulares de gramática que há dois meses estava pagando para tentar recuperar-se de uns deslizes na prova do último bimestre. A honra de um homem não deve ser destruída pelo não cumprimento de sua palavra” - lembrara das palavras de seu pai que, no leito de morte, revelara seu último desejo: ter o único filho formado, com diploma e tudo. “Põe na parede, meu filho, põe na parede” – dizia o velho pai, referindo-se ao diploma da faculdade.
Todas as noites, de joelhos no chão, agradecia a Deus e mais uma legião de santos pela oportunidade que lhe fora dada: uma bolsa de estudos num desses programas de auxílio que o governo oferece para tantas faculdades particulares com intuito de proporcionar “faculdade para todos”.
Letras. Cursava letras.
Inflou o peito e preparou bem a voz, desfazendo-se do pigarro, e concluiu com tom imperativo e audacioso: ”irei à Bienal do livro na capital”.
Juntava moedas antes destinadas ao hortelã fraco dos chicletes do buteco do Valtinho. Deixou também de voltar pra casa de ônibus para ver se sobrava um pouco mais. “Com certeza valeria a pena tamanho esforço” – pensava mais uma vez perdido entre seus devaneios. Passava horas pensando, confabulando... montava discursos e cenários imaginários, procurava no guarda-roupas de sua mente qual troca lhe cairia melhor para o evento. Bem sabia ele que não podia ir de qualquer jeito; a ocasião pedia traje especial.
“E se fizer frio?” – pensou no instante seguinte. Seus poucos colegas do curso sempre comentavam sobre a baixa temperatura da capital nesta época do ano... Mas a flanela xadrez que herdara de seu pai o aqueceria - acreditava.
Pagou última parcela. O sonho ia, aos poucos, tornando-se mais próximo da realidade. A viagem estava marcada para o dia seguinte à noite. Queria descansar bem para aproveitar ao máximo o passeio, mas viu passar toda a noite no tic tac do relógio. É sempre assim, quando temos pressa as horas fazem pirraça. O dia pareceu demorar um dia inteiro para passar para só então chegar a noite.
Despediu-se da irmã mais velha que recomendou juízo. No ônibus adormeceu feito pedra. Também pudera... acordou apenas com o barulho da chuva batendo na janela embaçada e o anda-e-para do ônibus.
“Este é o primeiro ponto turístico de São Paulo: o engarrafamento” – brincou o colega do banco ao lado com ar de cerimoniário, referindo-se a uma das marginais paulistana. Mas mesmo assim tudo era novo, tudo era interessante.
Foram descendo um a um, se protegendo da fina garoa da manhã típica daqueles lados. Quase sentia na boca o coração, tamanha ansiedade. A professora com tom ainda pedagógico, dá os avisos e orientações, apontando para o gigantesco Anhembi.
Fila, crachá, balcão de informações, entradas...
A mesma voz que antes martelava sua cabeça para o desejo de conhecer a Bienal, agora só fazia agradecer e agradecer.
Entrou, enfim no salão do evento e, antes que desse tempo de seus colegas fazerem as honras de um anfitrião, num ataque de surpresa, tão logo soltou decepcionada indagação:
“Uma feira de livros???”
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