Por Fernando Luiz Teixeira
Números expressivos oferecidos
pelo IBGE, no último censo, atestam que a população brasileira está
envelhecendo. Sublinham que, ao contrário de décadas anteriores, cada vez mais
homens e mulheres têm chegado aos setenta, oitenta anos. As porcentagens
mostram-se louváveis. Preocupante mesmo são as condições para atender a esse
segmento. Volta e meia, a infraestrutura das metrópoles mais exclui que inclui. O descaso predomina nas ruas. Índices de violência
doméstica também saltam aos olhos. E os asilos se tornam espaços privilegiados
para que filhos e netos possam, enfim, esquecê-los. Entre os impasses enfrentados, talvez
o maior ainda seja a insensibilidade. Há um punhado de piadas que tripudiam os
dilemas vivenciados na senectude. A sexualidade quase sempre é abordada a
partir de um tom de deboche. Isso sem contar que parte expressiva dos jovens parece
menosprezar a capacidade intelectual do
idoso. Por pressa ou pura intolerância, demonstram pouca paciência e atropelam
seu tempo para desenvolver certas atividades. Tempo esse que se encontra
comprometido em razão das limitações do organismo impostas pela própria idade.
Os problemas tomam proporções bem
mais sérias quando o idoso, pelo fato de não ter conseguido garantir certa
estabilidade durante a juventude, se vê à mercê dos familiares. Para se manter,
precisa ainda exercer alguma atividade remunerada. O mercado de trabalho, no
entanto, ocupa-se em deixar profissionais mais experientes de lado. São
praticamente escassas as possibilidades de emprego para aqueles com mais de cinquenta
anos.
Lamentáveis são também os casos
em que muitos parentes se apropriam da aposentadoria de pais e avós para o
benefício próprio. A fim de contornar esse impasse, os atuais processos de
interdição revelam-se bastante criteriosos. Ao final de cada ano, devem-se
reunir os comprovantes dos gastos do aposentado e encaminhá-los ao advogado
para prestação de contas. Tal prática poderá assegurar ao idoso que o dinheiro
seja direcionado às suas necessidades básicas, como alimentação, vestuário, higiene
e saúde.
Contudo, o que se vê com certa
regularidade é o abandono. Na luta pela sobrevivência, grande parte dos filhos
se dedica às carreiras promissoras. E deixam para trás aqueles que mais
torceram por eles. Precisam garantir o sustento e a realização profissional.
Não há mais tempo para conversa fiada. Vá ver televisão, tiozinho! Meu Deus! O
senhor emporcalhou toda a mesa de jantar! Tenho mais o que fazer! Não posso
ficar limpando isso toda hora! Ai, não! Gripado de novo! Logo agora!
Sabe-se que o idoso apresenta uma
série de problemas que corroboram sua fragilidade biológica. Encontra-se menos
protegido contra doenças físicas e psíquicas. Sua visão mostra-se,
gradativamente, comprometida. A capacidade de ouvir também. O paladar e o
olfato sofrem alterações. O raciocínio apresenta-se mais lento. E a certeza da
morte iminente traz quadros depressivos e angustiantes. É o momento de avaliar
a própria vida, as escolhas feitas durante a travessia, os momentos em que,
muitas vezes, se anulou para satisfazer a vontade alheia. Talvez o maior exemplo acerca das
dificuldades de superar todos esses percalços, eu tenha encontrado na minha
própria casa.
Sou professor universitário e
cuido, há cinco anos, de minha mãe. Ela chegou aos setenta anos e foi
diagnosticada, ainda sem total precisão, com Alzheimer. De lá pra cá, muita
coisa mudou na minha casa e, consequentemente, na minha vida. A gente mal fazia
ideia de que sua “mania de limpeza”, de que o fato de lavar as mãos cinco,
seis, sete vezes, revelar-se-ia mais tarde como o início de um caminho de muito
sofrimento.
E a partir daquele momento, eu
acompanhei uma transformação nada fácil para qualquer filho. Ela pouco a pouco
se anularia, apagaria muita coisa da memória e se transformaria em uma pessoa
diferente e distante. O amor permanece, mas permeado de saudade por tudo aquilo
que ela havia sido. As mudanças chamam a atenção. Primeiro,
o portador de Alzheimer se esquece de palavras que utilizava no cotidiano, como
“leite”, “laranja”, “costura”. Os lapsos se tornam constantes. Outras vezes,
trocam verbos. Aí é comum ouvi-los dizer que “comiam” um cafezinho ou “bebiam”
um gostoso prato de arroz e feijão. E quando tomam consciência de que não
conseguem se comunicar direito, sentem-se envergonhados, acuados, e preferem se
isolar. Assim, é comum, em festas de família, vê-los correr para um canto ou
outro. O silêncio parece menos doloroso. O ato de ter de interagir com o outro
se torna um grande peso, um fardo muito difícil de carregar.
A escrita sofre oscilações. A
leitura e os cálculos matemáticos também. E pouco a pouco são apagadas
informações básicas como o nome do país onde mora, a novela preferida ou a
canção que mais agradava.
Mas ainda assim, as
características do que foram no passado se mantêm. Por isso é comum vê-los
perguntar dos filhos, embora não mais se recordem do nome de nenhum um deles.
Recebem os netinhos com um abraço forte e apertado. Fazem questão de presentear
um e outro com um mimo qualquer. E vez por outra aquecem a cabeça no nosso colo
e nos agradecem por não ter saído naquela noite chuvosa.
Entretanto, nem tudo é um mar de
rosas. E nem um poema apaixonado. Com o passar dos anos, a dependência aumenta,
a coordenação motora não é mais a mesma. Intensificam-se as dificuldades de
trocar de roupa. Requer ajuda no banho. Levantam-se nas madrugadas. Atiram
comida na parede. Fingem ter ingerido o remédio e o escondem debaixo da cama.
Choram com medo de ir ao médico. E os cuidadores, às vezes, ficam irritados. Mostram-se
hostis. Deitam-se magoados. Não com as pessoas cuidadas, mas com a vida e os
rumos desconcertantes das tristes histórias que estão testemunhando e que, por
mais que não queiram enxergar, sabem como terminam. Dos familiares mais espirituosos
que conheço sempre garantiram que logo conseguem se recompor. Voltam, à noite, para
cobrir os avós, e se reconfortam com a oportunidade de tê-los ao lado, de poder
ajudá-los, de tentar fazer algo de bom – mesmo em meio a tantos tropeços e falta
de informação.
E as tentativas para reverter o
quadro são muitas. Aqui em casa nos dividimos e nos desdobramos para oferecer
uma boa qualidade de vida pra mãe. Caminhadas, conversas diárias, estímulos
para enumerar as coisas (ufa! ontem contamos até trinta!)... Vale tudo!
Decerto muitos leitores se
identificaram um pouco com isso. Sabem que, embora persista um discurso
virtuoso a respeito da melhor idade,
a realidade, na maioria das vezes, revela-se bastante ingrata. A rigor, é
importante que o cuidador esteja sempre presente para que o idoso não seja ignorado
em lojas, feiras ou consultórios.
Possivelmente a raiz de todos
esses transtornos esteja ainda no preconceito.
E o preconceito, via de regra, reflete a ignorância, a concepção de que a
velhice é um período infértil e improdutivo. Talvez a resposta mais apropriada
para tal questão possa ser encontrada nos estudos do geriatra Luis Eugênio
Garcez Leme. Para ele, a melhor forma de combate ao preconceito é o exercício
sistemático do RESPEITO. Exercício esse que efetiva por meio da atenção, do
trato individualizado, da capacidade de ouvir o outro e, sobretudo, de
partilhar suas experiências, seus conselhos, suas histórias. Enfim, suas vidas!
FERNANDO TEIXEIRA LUIZ é pós-doutorando em Literatura Comparada e Identidades Culturais, Doutor em Letras, Mestre em Educação, Pedagogo e colaborador do nosso blog.